Clara Freire da Cruz Diretora do Centro Educatis | Membro da direção do FPAE
Das três décadas de vida dos CFAE retenho aquilo a que chamo de património político, social, cultural, educativo e formativo.
Historicamente, a intervenção dos centros de formação junto das escolas faz-se da relação direta entre a formação e a reforma educativa, marcando o sentido instrumental da formação na reorganização curricular e finalmente introduzindo a relação forte, com a avaliação de desempenho e a progressão da carreira dos professores.
Independentemente das mudanças estruturais do sistema educativo nestes últimos trinta anos, da alteração dos seus processos de regulação, dos diferentes modos de governar a educação, as margens de autonomia, os espaços de ação dos CFAE permitem-nos ultrapassar, em parte, as lógicas reprodutivas. Falo da tensão permanente entre as lógicas de controlo da Administração Central e as lógicas de autonomia de cada CFAE, da ambiguidade e da conflitualidade de todos estes processos. Falo do reforço da matriz local e nacional destas entidades, como elemento chave dos processos de construção e de operacionalização das políticas educativas, em diferentes escalas de ação pública (Cruz, 2019). Falo do compromisso público com a educação, associando o desenvolvimento educativo, formativo e cultural de cada território (Maury, 2007), à coesão nacional (Barroso, 2017) sem esquecer o espaço de autonomia da escola pública.
Neste quadro de entendimento do que são os centros de formação nos dias de hoje, retenho alguns aspetos que me parecem fundamentais.
Em primeiro lugar, realço o papel e a responsabilidade dos CFAE na construção do espaço cultural, educativo e formativo local, no sentido de interagir com os diferentes parceiros e entidades locais, regionais, nacionais, transnacionais mobilizando o conhecimento do território, a sua história, o seu património (i)material como ponto de partida para a formação contínua e o desenvolvimento profissional dos professores, enquanto gestores curriculares (Roldão, 1999). Realço, especialmente, as experiências que nos remetem para a formação contínua ligada ao trabalho pedagógico, à pesquisa, à reflexão, à produção de conhecimento e à ação pública, aspetos cruciais para se pensar o que é ser professor, a sua função, o seu estatuto e o seu trabalho.
Em segundo lugar, sublinho o processo de construção, monitorização e avaliação da formação, no sentido da consolidação de redes de aprendizagem e redes de conhecimento (CNE, 2002; CNE,2017) alicerçadas nas comunidades de prática (Wenger et al., 2002) implicadas no planeamento e na organização estratégica, na definição de conteúdos e atividades, e no acompanhamento da formação. Experiências formativas que alimentam uma nova matriz para pensar a formação de professores, centrada nas dimensões profissionais, no trabalho coletivo com outros professores, no compromisso público com a educação (Nóvoa, 2019).
Em terceiro lugar, destaco o papel dos CFAE na oferta de experiências de aprendizagem, diretamente aplicáveis às aspirações e interesses culturais de professores e alunos, e ligadas aos seus contextos de vida comunitária. Redes de colaboração setoriais que se criam num dado território, nomeadamente entre as escolas, os seus centros de formação, as autarquias, os museus municipais, as coletividades, as universidades, as ONG e outras entidades locais, regionais, nacionais e transnacionais. Cito Miguel Torga para melhor enquadrar este meu olhar: “O Universal é o local sem muros”.
Finalmente, lanço um desafio a todos vós: quem quer pensar e repensar a formação contínua de professores?
Referências
Barroso, J. (2017). Centralização, Descentralização, Autonomia e Controlo- A regulação vitruviana”. In: L. Lima & V. Sá (org.) O Governo das escolas – Democracia, controlo e performatividade (pp.23-40). Edições Húmus.
CNE (Conselho Nacional de Educação). (2002). Redes de Aprendizagem, Redes de Conhecimento. CNE/ME. https://www.cnedu.pt/pt/publicacoes/seminari os-e-coloquios/766-redes-de-aprendizagemredes-de-conhecimento.
CNE (Conselho Nacional de Educação) (2017). Aprendizagem, TIC e Redes Digitais. CNE. https://www.cnedu.pt/content/edicoes/seminarios _e_coloquios/LIVRO_TIC_RedesDigitais.pdf
Cruz, C. (2019). A construção local das políticas de sucesso escolar: o papel dos centros de formação de associação de escolas (CFAE). In: M. Alves (org.). O tempo e o espaço da formação contínua de professores: diagnóstico, processo e perspetivas (pp. 133-142). Edições Universitárias Lusófonas.
Maury, C. (2007). Quelle pertinence pour une approche territorialisée du lien connaissance et action publique ? In KNOWandPOl Literature Review Report (Part 1), June. http://www.knowandpol.eu/
Nóvoa, A (2019). Os Professores e a sua Formação num Tempo de Metamorfose da Escola. Educação & Realidade, v.44, n.º 3, pp.1- 15. http://dx.doi.org/10.1590/2175- 623684910.
Roldão, M.C. (1999). Os professores e a gestão do currículo: Perspetivas e práticas em análise. Porto Editora.
Wenger, E., McDermott, R. & Snyder, W. (2002). Cultivating Communities of Practice. Harvard Business School Press.
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