Cidadania Criativa: a Participação dos/as Estudantes na Tomada de Decisão Escolar

 

Inês Sousa

Mestrado em Ciências da Educação

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

Orientação – Professora Elisabete Ferreira

 

Descrição:

O trabalho que se apresenta está em curso e trata-se de um estágio curricular num agrupamento de escolas na zona do Grande Porto, mais especificamente na direção do agrupamento, na escola básica e secundária, no âmbito do Mestrado em Ciências da Educação, no domínio de Administração, Gestão e Implementação de Lideranças, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

Da observação e acompanhamento da direção da escola percebe-se uma cultura administrativa e organizacional diferente das que conhecemos, uma vez que está permanentemente aberta e atenta a todos os professores e alunos que se queiram a ela dirigir, preocupando-se com os interesses e bem-estar de todos. Num estudo sobre as ocupações das direções executivas conclui-se, segundo a autora, que o que é mais valorizado são as questões administrativas e de gestão, sendo menos preocupante o bem estar e as interações (Ferreira, 2012:105). Porém, neste contexto de estágio é reconhecido pelo diretor e seus assessores a importância dos estudantes participarem mais nas decisões que são tomadas, através da construção de espaços e tempos para que isto aconteça.

Estivemos a conversar sobre este assunto e notei que o SubDiretor foi pensando e refletindo sobre estas questões enquanto me falava da dificuldade de incluir os estudantes, umas vezes porque acham que os alunos não precisam de intervir em determinadas situações e outras vezes porque não se sente a pressão dos alunos para participarem mais. (Notas de Terreno, 10 janeiro 2019)

Como é possível perceber pela conversa com o subdiretor, a participação dos estudantes é uma preocupação, mas nem sempre se torna uma prioridade. Assim, o trabalho que está a ser desenvolvido na direção tem a principal preocupação de construir a possibilidade dos estudantes participarem mais nas decisões a tomar, reconfigurando-se como figuras no governo das escolas, dando-lhes vez e voz (Ferreira & Lopes, 2011). A possibilidade de envolvimento juvenil na organização escolar assume-se também como possibilidade de desenvolvimento de competências ligadas à cidadania ativa, comunicação interpessoal (Perfil de aluno à saída da escolaridade obrigatória, 2017), participação e corresponsabilização (Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, 2017), seguindo os princípios orientadores do Decreto-lei 55/2018, em que se assume como necessário “desenvolver nos alunos competências que lhes permitam questionar os saberes estabelecidos, integrar conhecimentos emergentes, comunicar eficientemente e resolver problemas complexos” (DL 55/2018).

Ancorados nos estudos sobre participação juvenil, ocupamo-nos com a promoção de atitudes de liberdade, democracia, autonomia pessoal, iniciativa e participação na vida escolar (Ferreira, 2007), pensando os jovens enquanto atores em construção e reconstrução (Pais, 1999), com capacidade e liberdade para decidirem sobre as experiências vividas (Touraine, 1997) e relevando interesses e poderes muito diversificados (Silva, 2011) é essencial para criar espaços e tempos dentro da escola, enquanto lugar de “socialização e aprendizagem” (Almeida, 2009:26), para os/as alunos/as poderem participar nas tomadas de decisão que lhes dizem respeito, como co-autorese co-decisores(Leite, 2000:23). A finalidade é possibilitar que o discurso dos estudantes funcione como uma ferramenta para se perceber a escola, o que se espera das aulas, dos métodos e dos exercícios (Pereira et al, 2016:155), visto que quando se escutam os jovens, nos seus discursos encontram-se novos sentidos para a escola (Ferreira & Lopes, 2011:8).

Apesar deste discurso não ser novo, a particularidade do estágio reside na atenção de desenvolver medidas de participação na tomada de decisão do diretor da escola. A questão será perceber como podem os jovens influenciar as decisões que ocorrem na sua escola?

 

Metodologia:

A intervenção deste estágio numa escola centra-se na organização de diferentes dinâmicas de ação, a partir da direção da escola, para se construírem estes espaços de possibilidade de participação e decisão na escola. Um destas propostas são as Assembleias de Jovens (Mrech & Rahme, 2009), como um espaço de partilha de ideias e discussão entre alunos/as sobre as decisões a tomar, com a possibilidade de estar presente um membro da direção em determinadas situações para a mensagem poder de facto chegar à direção da escola, possibilitando-se assim a envolvência de todos, atendendo a cada um (Silva, 2013).

Uma segunda proposta, que está a começar a ser organizada na escola, passa por estruturar com a Associação de Estudantes e outros grupos que demonstrem interesse em colaborar, sessões de sensibilização para a participação e cidadania criativa, ou seja, fazer algum trabalho com estes/as estudantes, sobre participação na escola e nos assuntos que lhes dizem respeito, cidadania ativa e poder de decisão dentro do ambiente escolar, para depois estes alunos serem capazes de “passar a palavra” aos colegas. Aliás, é nossa pretensão concetualizar esta intenção de cidadania criativa como estimulante de dinâmicas de intervenção e responsáveis políticos na tomada de decisão. Esta divulgação quanto aos direitos e deveres enquanto alunos/as tornou-se especificamente necessária quando se constatou que nem metade dos/as alunos/as da escola votou para a eleição da Associação de Estudantes (um grupo de alunos que representa todos/as) por desinteresse ou desconhecimento. Nestas sessões, a desenvolver com os/as alunos/as nas aulas de Cidadania e Desenvolvimento, seria pertinente organizar debates, convidar investigadores nesta área, professores que tenham estas preocupações presentes, mas será construído com os/as alunos, consoante os seus interesses, naquela escola em particular.

Outra dinâmica pensada é um pedido de continuação do trabalho que é feito na escola, através da participação no orçamento participativo das escolas, importante para pensar um processo democrático e de participação com ideias e opiniões sobre a própria escola e os espaços/tempos que querem ver mais desenvolvidos ou transformados.

A organização destas atividades e o dia a dia na direção da escola tornam essenciais as observações permanentes e as notas de terreno elaboradas, uma vez que o projeto se centra no modo como as realidades da escola podem ser interpretadas, entendidas e experienciadas, pelos próprios atores do contexto, de forma a haver espaço para a compreensão e interpretação dos significados construídos (Amado, 2013:43). O principal método utilizado é a observação participante, «“(…) que obriga à integração do investigador nas comunidades estudadas, modificando, por isso, o seu próprio tecido social(…)” (Lopes, 1997:88-9). Esta técnica constitui uma forma estimulante de partilhar perspetivas com o contexto, descobrir e entender a complexidade das intercomunicações, criar significados de forma afetiva e ativa, uma vez que estes são vividos e experienciados no contexto institucional, seja individualmente ou em coletivo (Ferreira, 2004:38).

 

Principais conclusões ou resultados esperados:

            Através da intervenção realizada no agrupamento de escolas, desde o início do mês de outubro, consegue-se perceber algumas dinâmicas dos alunos, da Associação de Estudantes e da comunidade escolar, no que diz respeito à efetiva participação dos estudantes nas decisões a tomar.

A permanência no contexto de estágio é centrada na observação de práticas, mas envolvendo-me sempre em muitas atividades e dinâmicas dentro da direção da escola, e nesse âmbito, foram destacadas duas principais preocupações, uma delas ligada ao facto de que quase não há insucesso escolar na escola (do básico ao secundário), visto que as retenções são poucas (residuais) e os casos em que acontecem são muito específicos e pontuais. Neste sentido, considera-se que é preciso ir além desta ideia de insucesso escolar, para se refletir sobre a qualidade do sucesso educativo, no bem-estar discente, levando a considerar as competências que os alunos desenvolvem durante o tempo que estão na escola, muito importantes para toda a vida profissional do aluno, num mundo de trabalho que valoriza cada vez mais o pensamento crítico e a capacidade de adaptabilidade. A segunda preocupação prende-se aos poucos espaços que estimulam e criam oportunidades para a participação dos estudantes dentro da escola (não só a sala de aula) e à pouca participação dos estudantes nos poucos espaços em que o podem fazer, como é exemplo, a eleição da Associação de Estudantes.

Este é o principal resultado esperado, a constituição de espaços-tempos para dar aos estudantes a possibilidade de participarem ativamente, considerando como ponto de partida a aprendizagem pela prática e pelo investimento pessoal (Brites, 2015). Um maior envolvimento no dia-a-dia escolar, nas dinâmicas organizadas pela escola e também a participação na sua conceção e organização é um dos objetivos e dos resultados que esperamos ver cumpridos, não só para este ano letivo, mas para a concretização de cultura cívica(Brites,2015).

 

Referências Bibliográficas

Almeida, Vítor Manuel (2009) O mediador sócio-cultural em contexto escolar: Contributos para a compreensão da sua função social. Mangualde: Edições Pedago

Amado, João (2013) Manual de Investigação Qualitativa em Educação. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.

Brites, Maria José (2015) Jovens e culturas cívicas: Por entre formas de consumo noticioso e de participação. Covilhã: Livros LabCom

Ferreira, Elisabete (2007) A hipocrisia reina nas escolas: A propósito da autonomia e da tomada de posse dos jovens na escola. In Leite, Carlinda & Lopes, Amélia (Orgs.) Escola, currículo e formação de identidades: Estudos investigativos(pp.73-92) Porto: Asa.

Ferreira, Elisabete & Lopes, Amélia (2011). O Gosto e o Desgosto da Escola: cidadania, democracia e lógicas de participação juvenil nas escolas. Centro de Formação de Professores Francisco da Holanda, nº 18, 77-84.

Ferreira, Elisabete (2012). (D)enunciar a Autonomia: Contributos para a compreensão da génese e da construção da autonomia escolar. Porto: Porto Editora.

Ferreira, Manuela (2004) «A gente gosta é de brincar com os outros meninos!». Porto: Edições Afrontamento.

Leite, Carlinda (2000) A Flexibilização Curricular na Construção de uma Escola mais Democrática e mais Inclusiva. Revista Território Educativo, nº 7. 20-26.

Lopes, João Teixeira (1997) Tristes Escolas: Práticas culturais e estudantis no espaço escolar urbano. Porto: Edições Afrontamento

Mrech, Leny Magalhães e Rahme, Monica (2009). A Roda de Conversa e a Assembleia de Crianças: A Palavra Líquida e a Escola de Educação Infantil. Educação em Revista, v.25, nº01, p.293-301. Belo Horizonte.

Pais, José Machado (1999) Traços e Riscos de Vida: Uma abordagem qualitativa a modos de vida juvenis. Porto: Ambar.

Pereira, F., Magalhães, D., Mouraz, A., Santos, C., Sousa, S., & Rodrigues, Th. (2016). Students’ voices about school effects in their lives. In A. Montgomery & I. Kehoe (Eds.), Reimagining the purpose of schools and educational organisations developing critical thinking, agency, beliefs in schools and educational organisations (pp. 145-160). London: Springer.

Silva, Ana Inês Guimarães Bastos (2013) O Bem-Estar discente: Do conto educativo à compreensão de narratividades juvenis. Prova de Qualificação, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto, Portugal.

Silva, Sofia Marques da (2011) Da Casa da Juventude aos Confins do Mundo: Etnografia de fragilidades, medos e estratégias juvenis. Porto: Edições Afrontamento.

Touraine, Alain (1997) Iguais e Diferentes: Poderemos viver juntos? Lisboa: Instituto Piaget.

Webgrafia:

Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania. Ministério da Educação. Acedido a 20 abril. 2018. Disponível em http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/ECidadania/Docs_referencia/estrategia_cidadania_original.pdf

Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória. Ministério da Educação/Direção-Geral da Educação (Despacho n.º 6478/2017, de 26 de julho). Acedido a 2 março. 2018. Disponível em http://dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Projeto_Autonomia_e_Flexibilidade/perfil_dos_alunos.pdf

Decreto-Lei nº 55/2018 de 6 de julho do Ministério da Educação. Diário da República: n.º 129/2018, Série I de 2018-07-06. Acedido a 10 setembro. 2018. Disponível em www.dre.pt

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Texto Inês Sousa.