Manuela Françoise Mendes de Castro
Projeto de Doutoramento em Ciências da Educação, Especialidade em Organização e Administração Escolar
Instituto de Educação da Universidade do Minho
Orientação: Leonor Lima Torres
Síntese descritiva
Vivemos um momento paradigmático no que concerne a democracia: a ONU, na sua agenda transnacional para 2030, induz-nos a questionar a solidez das nossas instituições (objetivo 16) enquanto pré-condição para o desenvolvimento económico e social sustentável; o período pós-pandémico visibilizou a educação para a democracia como preocupação sociológica (Riddle et al., 2022; Dubet & Buru Bellat, 2022; Torres, 2022) e mesocontextualmente Portugal apronta-se a celebrar 50 anos da sua instauração.
As investigações recentes no âmbito da Administração Educacional retratam atitudes de “passividade” e “alienação democrática” dos atores educativos que, num nível microorganizacional, tendem a partilhar e naturalizar “uma conceção minimalista e gestionária da democracia” e demonstrar “uma visão despolitizada da organização escolar” (Torres, et al., 2020, p. 291). Pese embora outras investigações precedentes identificarem “comportamentos criativos e dinâmicos” (Carvalho, 2010) e “infidelidades normativas” (Lima, 1991) como expressões da “margem de liberdade” (Crozier & Friedberg, 1977) dos atores, equacionamos como a sua suposta apoliticidade e passividade tem potencializado ou sido reflexo da crescente racionalização do sistema educativo – sendo a reconfiguração da rede escolar em agrupamentos (Lima, 2004) o seu exemplo mais representativo; a mudança organizacional escolar para um modelo de gestão unipessoal e a permanência de um governo das escolas atópico e centralista (Lima & Sá, 2007). Fenómeno já estudado em 1987 por João Formosinho, a passividade é interpretada na sua tese de doutoramento como o resultado da desmobilização para a vida política inculcada pelo Estado Novo. Face aos dados que apontam que 72% dos docentes portugueses têm entre 40 e 59 anos (Edustat, 2019), deduzimos que a sua socialização cultural e profissional ocorreu maioritariamente em período democrático, indicando-nos, portanto, um paradoxo evidente entre as atitudes microorganizacionais dos atores e uma conjuntura sociopolítica democrática. Pelo exposto, propomos continuar o legado epistemológico iniciado com as investigações de Maria Filomena Mónica (1978), João Formosinho (1987), António Sousa Fernandes (1992), e Licínio Lima (1992) e, partindo da categoria de escola como “organização em ação” (Lima, 2008), estudar a estruturação do sistema educativo português ao longo do período democrático (1974-2024) e compreender os modos pelos quais o mesmo sistema “por via da aplicação de regras e recursos generativos e no contexto de resultados não intencionais se produz e reproduz através da interação” (Giddens, 2000, p. 40). Para o efeito, propomos desenvolver uma abordagem
explicativa meta-analítica que revisite, por um lado, o património científico e hermenêutico da área da Administração Educacional e das políticas educativas (trans)nacionais à luz dos modelos teóricos de análise organizacional, nomeadamente os modelos burocráticos, políticos e democráticos, recorrendo a conceituados autores como Weber (1978), Bush (2003) e Ball (2017) e articulando-a, por outro lado, com o espólio de estudos produzidos no âmbito da sociologia da educação (mais especificamente no âmbito da sociologia da ação) de modo a compreender a progressiva socialização cultural e profissional dos atores educativos, transcendendo visões restritas a uma “ordem metassocial” (Touraine, 1996, p. 81).
O nosso projeto de investigação pretende complementar e aprofundar o espólio de estudos desenvolvidos nas Ciências da Educação sobre a democratização escolar, contudo ao invés de a equacionar em termos de inputs (igualdade de acesso) e de outputs (igualdade de sucesso escolar), propomos uma abordagem que permita estudá-la a partir do teorema da dualidade da estrutura (Giddens,2000) concebendo a estruturação do sistema administrativo, político, cultural e educacional não só como condição e resultado da ação dos seus atores, como também como fator de constrangimento e possibilidade da sua agência.