Educação e Municípios: relações de interdependência, autonomia, descentralização e territorialização

Educação e Municípios: relações de interdependência, autonomia, descentralização e territorialização

Elvira Tristão

Doutorada em Educação | Autarca

Do ponto de vista teórico-conceptual distinguimos três modalidades de educação: a educação formal; a educação não formal e a educação informal. A primeira é escolar, tem intencionalidade educativa e certifica; a segunda tem intencionalidade educativa e é peri escolar; e a terceira pode ter ou não intencionalidade educativa e inscreve-se nos contextos. Se há alguns anos era indiscutível afirmar que à escola competia a educação formal, e à comunidade a educação não formal e informal, hoje esta estanquicidade não constitui uma certeza absoluta.

Na verdade, o poder local – muitas vezes incentivado pelas políticas públicas nacionais, outras vezes tomando a dianteira – tem vindo a desenvolver a sua intervenção educativa não formal, em parceria com as escolas, com reais implicações nas aprendizagens formais dos alunos.

A tendência para a territorialização das políticas educativas e culturais tem contribuído – ainda com muitas resistências, diga-se – para a reconfiguração dos processos de aprendizagem. A comprovar esta constatação leiam-se documentos como o plano nacional de leitura, o plano nacional das artes ou a estratégia nacional para a educação para a cidadania. Todos propõem a reconfiguração dos processos de aprendizagem e da sala de aula, salientando a importância estratégica das parcerias com os atores externos à escola, em particular com as autarquias. No caso do plano nacional das artes, um dos eixos de intervenção propõe mesmo o apoio às autarquias para um plano estratégico municipal cultura-educação.

As políticas públicas de promoção da leitura vão no mesmo sentido. Efetivamente, o Plano Nacional da Leitura e a Rede das Bibliotecas Escolares propuseram aos municípios a criação de um Serviço de Apoio às Bibliotecas Escolares (SABE). Este serviço operacionaliza-se na subscrição de um protocolo entre municípios e agrupamentos de escolas que define mecanismos de partilha de recursos, de boas práticas e de planos de ação desenvolvidos por professores bibliotecários e técnicos do município, designadamente técnicos de biblioteca, documentação e arquivo. Esse trabalho em rede pressupõe políticas comuns de coleção, de gestão documental e de animação de leitura. O mais recente desafio lançado aos municípios pelo Plano Nacional de Leitura consiste na proposta de criação de um Plano Local de Leitura, no qual a dimensão escolar é uma das dimensões de intervenção propostas.

Ao longo de quase três décadas, se tomarmos como referencial temporal a Declaração das Cidades Educadoras (Barcelona, 1992), temos assistido a um lento processo de aprofundamento da relação entre as escolas e a comunidade, em particular do poder local, no domínio da intervenção educativa, não raro em estreita articulação com as políticas culturais locais. Dependendo das perspetivas dos interlocutores, esta tendência tem sido mais ou menos visível, mais ou menos lenta, entre muitas resistências e impasses. Na realidade, do que se trata é do aprofundamento de relações de interdependência. É, pois, nesta relação de interdependência que os territórios e as escolas têm construído a sua autonomia.

Na verdade, João Barroso defende que a autonomia não se decreta, mas que se conquista. Sustenta também este autor que a autonomia se alimenta de relações de interdependência entre a escola e a comunidade.

Este argumento contrasta aparentemente com o discurso reivindicativo de autonomia das escolas, num tempo em que na agenda está a descentralização das competências da educação para os municípios. No entanto, a nosso ver, sustentada sobre o conceito de interdependência, a autonomia das escolas não está obrigatoriamente em causa.

A este respeito, intuímos que estamos perante duas diferentes dimensões da territorialização, de descentralização e de autonomia das escolas: a imaterial (da agência), que se alimenta do trabalho em rede e de parceria entre as comunidades e as escolas; e a material (da estrutura) que discute a descentralização de meios para as periferias e para os territórios. E é nesta dimensão que encontramos as maiores resistências e tensões, porquanto é neste domínio que se joga a criação de igualdade de oportunidades e de coesão territorial que diz respeito à garantia de meios.

É no domínio das NUT II (Regiões plano) e NUT III (Comunidades Intermunicipais) que se jogam a coesão territorial e a igualdade de oportunidades, quando nos referimos à garantia de meios (estrutura): planeamento dos equipamentos, manutenção de infraestruturas, transportes, refeições escolares, etc.

Contudo, quando nos referimos à agência, ao trabalho em parceria no que concerne à intervenção educativa, importa ter presente e reforçar a importância das interdependências de proximidade entre freguesias, municípios, universo associativo, enfim, comunidade local. Neste domínio, não podemos equacionar a intervenção educativa em função de economias de escala ou de racionais de uniformidade, sob pena de condicionarmos o papel dos municípios e de neutralizarmos as razões que justificam a componente do currículo local, que pode potenciar as aprendizagens significativas e a identidade sociocultural de cada território.

Download do texto de opinião.

Nota: A opinião aqui expressa é da inteira responsabilidade do(s) seu(s) autor(es).