Há lugar para um terceiro “excluído” no governo das escolas?

José Hipólito

Agrupamento de Escolas Pedro Alexandrino | Colaborador da UIDEF do IE ULisboa | Sócio e membro da direção do FPAE

Texto originalmente publicado no Jornal de Letras a 30 de março de 2016

 

No contexto do fim do período dos «trinta gloriosos», emerge com mais veemência a questão da governabilidade, com a qual as democracias ocidentais se confrontaram, tendo em atenção a sobrecarga das exigências sociais e o fim do crescimento económico anterior. A partir da década de 1980, o problema da (in)governabilidade das sociedades passa a centrar-se nos «falhanços do governo», que sobrecarregado de tarefas, apresenta-se dispendioso e ineficaz. É no âmbito desta conjuntura, que se discutem e preconizam processos de recomposição do Estado e mudanças das administrações públicas, tendo como ponto de partida a convergência na crítica e na procura da superação do modo de regulação burocrático, centralizado e assente numa racionalidade formal, abstrata.

Estudos da sociologia das organizações revelam como problema estruturante as dificuldades das administrações em implementar localmente as medidas formuladas ao nível central, dado que se orientam pelo «fetichismo da decisão». Esta ao ser formulada pela hierarquia, assente numa conceção racional apurada, não necessitaria do contributo das decisões dos atores locais.

As reformas, enquanto instrumentos de orientação da ação, decididas e concebidas centralmente, assentes em planificações de grande rigor formal, são um bom exemplo destes dispositivos, que frequentemente são ineficazes ao nível local, uma vez que partem do

 

pressuposto que o nível da implementação é apenas de execução, ignorando-se a problemática das decisões a tomar ao nível local.

Assiste-se, assim, nos vários setores da ação do Estado, designadamente na Educação, relativamente à administração educativa e gestão das escolas, à metamorfose dos modos de regulação, renomeados de pós-burocráticos, assentes em dispositivos abertos às decisões, apoiadas em critérios de âmbito local, dos atores diretamente envolvidos na implementação das medidas e no funcionamento dos estabelecimentos escolares, tais como: a autoavaliação, a elaboração e aprovação dos projetos educativos, os regulamentos internos, entre outros.

Em alternativa, para fazer face ao mesmo problema da implementação local das medidas, surgem também os dispositivos de orientação da ação que revelam uma evolução na continuidade dos modos de regulação burocráticos, num processo também chamado de hiperburocratização, ao circunscreverem os processos de decisão e acção ao nível local, impondo critérios exógenos, legitimados por uma racionalidade técnico-instrumental, tais como, entre outros, os processos de benchmarking (a construção dos rankings), o uso de tecnologias digitais destinadas a gerir dados, com grande capacidade de cálculo racional.

Há considerar, contudo, um terceiro excluído nos processos de implementação, isto é, os usos dos dispositivos, que revelam uma orientação ambivalente. Por exemplo, os contratos de autonomia, abertos à adesão voluntária das escolas e a serem desenvolvidos por processos de decisão negociada com os atores locais, revelam uma orientação inicial pós-burocrática. Todavia, no decurso dos processos de contratualização, o uso deste dispositivo de decisão negociada apresentou uma orientação hiperburocrática, quando o processo de negociação foi tecnicizado através da mobilização dos resultados de uma avaliação externa, para determinar a elaboração das propostas de contrato apresentadas por cada uma das escolas na negociação.

Assim, para além da configuração original de cada dispositivo quanto ao modo de regulação, é o processo de instrumentação na sua contingência, ou seja, os usos dados aos dispositivos, que se manifesta estruturante e revelador das dinâmicas de orientação da ação, quer de negociação e politização ou de tecnicização e despolitização, ou ainda de caráter ambivalente, nos processos de implementação subjacentes à administração e gestão das escolas.

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