O papel das Instituições de Ensino Superior na formação dos Diretores Escolares

Cláudia Neves

Departamento de Educação e Ensino a Distância da Universidade Aberta | Vogal da Direção do FPAE

A busca de respostas a muitas das questões que caracterizam a educação implica, normalmente, a mobilização de um conjunto de reflexões e contribuições teóricas e concetuais. Esta mobilização abre-nos a possibilidade para desenvolver olhares holísticos sobre fenómenos multifacetados, com várias influências, a vários níveis, em contextos que se estendem à escala global e local, que colocam grandes desafios aos sistemas de educação e formação.

O campo de investigação das políticas educativas e da administração e gestão educacional, neste contexto, torna-se um campo extremamente complexo, por incluir/ incidir?  cenários de decisão e de práticas constituídos em vários níveis e onde intervêm diversos atores quer na formulação, quer na implementação das políticas.

Entender a política não apenas como um produto, mas também como um processo, ou seja, a política encarada não apenas como a afirmação de valores e estratégias organizacionais e operacionais (produto), mas também como a capacidade de operacionalizar esses valores (processo), é fundamental para se tentar compreender a complexidade que reveste a arena das políticas educativas e a sua aplicação no terreno.

Partindo deste pressuposto, e desta noção de  políticas, pode-se afirmar que, embora existam discursos políticos dominantes que tentam impor uma certa ordem de ideias e uma forma de pensar, existem, também, outros discursos discordantes e contraditórios que não podem ser excluídos das arenas de implementação política. Estes discursos são importantes para se conhecerem e analisarem, pois eles espelham ideologias dominantes, regimes e crenças que ajudam a compreender a realidade social.

No contexto da União Europeia, verificamos que a economia baseada no conhecimento se tornou numa tendência e numa força bastante influente na política deste espaço político-económico, onde os sistemas educativos são instrumentos importantes para atingir este objetivo. As políticas educativas ligadas à economia do conhecimento constituem, na maioria dos documentos políticos europeus, um discurso sobre a educação global sem referências ao contexto. Este discurso político promove uma agenda para a educação consubstanciada num conjunto de ações e programas baseados na definição de objetivos comuns, avaliação por pares, competição, accountability e promoção de qualidade, que atuam como forças e processos de homogeneização.

Neste contexto, a compreensão da realidade complexa e conflituosa, com diversos níveis e atores que configuram diferentes significados e sentidos à conceção e implementação das políticas é fundamental na formação especializada de gestores e líderes escolares.

Para ilustrar esta realidade, um número cada vez maior de estudos desenvolvidos na área da administração e gestão educacional demonstra que é bastante clara a tensão entre o exercício dos princípios democráticos e os princípios da eficácia e da eficiência, entre a autonomia e a gestão racional de meios e todas estas tensões atravessam a atividade dos diretores escolares.

Como resultado existe um interesse cada vez maior na formação e na investigação sobre o papel dos diretores escolares, o seu perfil, os desafios da sua prática quotidiana, como equilibram as suas funções de gestão, administração e liderança, como se relacionam com a comunidade educativa, as suas motivações para o cargo, os seus estilos e práticas de liderança, etc.

Para aperfeiçoar competências e aprofundar conhecimentos nesta amálgama de alterações jurídico-normativas e ideológicas no governo da educação portuguesa, muitos professores procuram formação especializada em administração educacional.

É, neste contexto, que urge as universidades repensarem as suas ofertas formativas direcionadas para os diretores e líderes escolares. É preciso analisar as componentes curriculares dos cursos que privilegiem uma formação holística que contribua para melhorar as competências dos cargos de gestão e administração das escolas. É preciso que se proporcionem espaços de reflexão para analisar a voz dos atores à luz dos seus contextos, e não apenas aos autores e às suas teorias. É preciso uma formação especializada que abarque não só as questões gerencialistas e de cumprimento dos procedimentos e normas associados às praticas de gestão e administração, mas que vá além disso e estimule visões críticas e reflexivas sobre as práticas contribuindo para uma visão holística e problematizadora que veja o futuro como complexo, imprevisível e dinâmico. É preciso formar gestores com capacidade de adaptação, líderes com capacidade de diálogo, negociação e mobilização que promovam soluções inovadores adaptadas aos contextos.

A vertente técnica de execução prática e a vertente política que mobilize a atividade relacional e de negociação, bem como a perceção da sua ação enquanto gestor e enquanto pedagogo, obrigam a uma exigência maior ao nível da formação especializada dos diretores em Portugal.

Permitir um percurso formativo que favoreça a compreensão da política enquanto processo, é fundamental para que uma formação especializada direcionada para diretores escolares integre não apenas as tensões e os constrangimentos normativos orientados para produtos e resultados, mas que possibilite, também, a exploração de novos discursos e significados, que potenciem práticas inovadoras de administração e gestão educacional.

Embora ao nível ideológico possa existir algum consenso sobre as finalidades e os pressupostos subjacentes às políticas educativas, do ponto de vista da sua aplicação concreta, as tendências podem assumir sentidos distintos. Da mesma forma que nas últimas décadas foram sendo disseminados modelos e práticas que alteraram o papel do Estado como único regulador no campo educativo, esta emergência de um espaço de formação de políticas educativas transnacional não induz, necessariamente, à “desnacionalização” da educação. Tal como o Estado atua como mediador destas influências, também o diretor, o líder escolar, pode ser inovador e ser, ele próprio, “mais um” ator político na gestão e administração das escolas atribuindo novos sentidos e significados às políticas através de soluções contextualizadas.

 

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