Elvira Tristão
Professora do Ensino Secundário (AE Marcelino Mesquita – Cartaxo) | Associada do FPAE
É inegável que, nos últimos 50 anos, as políticas de descentralização de competências para o poder local democrático garantiram o desenvolvimento de infraestruturas essenciais para a qualidade de vida, sendo as autarquias o braço do Estado no desenvolvimento do território. Ainda mais depois de 1986 com a adesão de Portugal à União Europeia e os sucessivos quadros comunitários destinados ao desenvolvimento regional. Em vésperas da comemoração dos 50 anos de democracia, parece-me importante refletir, pois, sobre o papel das regiões administrativas.
A adesão de Portugal à Europa das regiões seria razão suficiente para que se cumprisse o seu artigo 255º, isto é, que, fazendo Portugal parte da Europa das regiões, tivéssemos criadas as regiões administrativas com legitimidade eleitoral e competências efetivas nas políticas de coesão regional. As CCDR’s não representam, para muitos portugueses, os interesses das respetivas regiões. São antes entidades híbridas que, por um lado, consubstanciam o poder desconcentrado do Estado e, por outro, gerem as candidaturas municipais a financiamento comunitário. Os municípios, por sua vez, organizam-se em Comunidades Intermunicipais em quem muitos portugueses não reconhecem legitimidade democrática. Assim, os autarcas são eleitos pelas populações e, alegadamente em nome dos seus eleitores, elegem os órgãos intermunicipais, e o presidente e 50% da vice-presidência das CCDR’s. Não os elegemos, não sabemos quem são, não nos prestam contas e, contudo, administram as políticas de desenvolvimento territorial e, também, uma boa parte do Fundo Social Europeu. Os centralistas que, há décadas, têm vindo a entravar a verdadeira regionalização do território continental têm conseguido iludir os portugueses com o argumento da poupança e da criação de cargos políticos. E, no entanto, eles já existem. Bastar-nos-ia aprofundar a democracia.
O alargamento das políticas de descentralização para os municípios, com a Lei 50/2018, foi, pelo que disse atrás, um passo importante para o aprofundamento do desenvolvimento do território e para a territorialização das políticas, com soluções ajustadas às aspirações e necessidades das populações. No entanto, esta descentralização não pode fazer-se à custa de regiões com poderes próprios, com legitimidade eleitoral e com a responsabilidade de garantir a coesão territorial num país onde as assimetrias entre municípios são gritantes.
No campo da educação, corremos o risco de ter municípios que, no âmbito das competências descentralizadas, respondem melhor às necessidades educativas das crianças, jovens e, também, adultos dos seus territórios, porque têm meios financeiros e um quadro técnico capaz de conceber e desenvolver políticas sociais integradas; e temos municípios de menor dimensão cujo investimento na educação e na escola pública fica aquém, quer nos recursos humanos, quer na conceção de respostas. Neste campo, há ainda a registar que a descentralização de competências para os municípios não foi acompanhada por um efetivo reforço da autonomia das escolas através de uma imperativa clarificação do que cabe à escola e do que compete às autarquias.
Só assim podemos ser otimistas, vislumbrando uma parceria forte entre a escola pública e as autarquias, contribuindo para políticas sociais integradas. Assim, sem as regiões, corremos o risco de aprofundar desigualdades entre municípios, de subtrair autonomia às escolas ou de deixar na mão das autarquias locais a terciarização de respostas educativas, como se configuraram algumas prestações de Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC’s), assim como alguns planos de combate ao insucesso escolar que, sem o envolvimento das escolas, correm sérios riscos de insucesso.
Nota da autora: texto inspirado na conferência do professor Licínio Lima “Política e a Administração da Educação: o Estado, os Municípios e as Escolas”, proferida no VIII Encontro de Outono do Fórum Português de Administração Educacional.
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